terça-feira, 12 de abril de 2011

Sempre atrasada

Sempre atrasada. Nunca foi a mais pontual, mas desde que saiu de São Paulo não consegue acordar no horário. O cheiro dos carros era seu despertador mais eficiente. Em Florianópolis, dorme sonhando com a praia e quase não acorda. Nesse último mês, está tudo tão corrido. Tem tanta coisa para fazer! As folhas da sua agenda já não parecem mais suficientes para os compromissos de seu dia.

Quando se formou, só pensava em serviço público. Não imaginou que chegaria ao departamento jurídico de uma empresa. Se esforça para crescer lá dentro. Está um pouco cansada de Leis. Sabe que é sua paixão, mas é aquela coisa que a mulher tem: necessita de mudanças. Além de não conseguir imaginar a rotina louca que leva quando tiver um filho. E em sua cabeça já está passando da hora, afinal são quase 30.

O hotel é maravilhoso e ser acordada com aquele café é o melhor dos sonhos. Feliz o momento em que foi indicada para ministrar esse curso na filial catarinense. Por mais trabalho que seja, acorda sempre bem humorada, não precisa de toda aquela papelada e ainda consegue trabalhar um dia inteiro sem nem tocar no computador. É melhor que férias, já que não se entedia. Por falar em férias, já avisou ao seu pai que vão todos passar o Revéillon na Ilha.

A tristeza de todo sonho é que uma hora tem que acordar. O curso já estava próximo ao fim e, em dois dias, já estaria embarcando. Mas ela aproveitou. Saiu, se divertiu, descobriu a música eletrônica, fez topless, beijou alguns caras e fofocou sobre eles no banheiro com as amigas que fazia a cada festa. Nada que o seu quase-namorado em São Paulo possa imaginar. Ao invés de cantar no chuveiro, ela pensava sobre a vida. Era hora de dar um ultimato, afinal, o relacionamento não estava sério nem no Facebook.

No elevador, procurando uma forma de fazê-lo ir mais rápido, já pensava em como se daria a dinâmica final planejada. Tinha sido essa turma a mais participativa. "Logo a da manhã, quem diria?!", pensou em voz alta e se justificou ao ascensorista: "Sou professora". Brincava de ser quem não era. Era bem resolvida, mas se divertia construindo personagens àquelas pessoas que jamais a veriam novamente. 

Chegou ao térreo e enquanto saía, uma mulher deslumbrante entrou. Negra, alta, com um vestido todo estampado, mostrando as pernas bem torneadas. Mesmo atrasada, virou-se e perguntou aonde a mulher havia comprado aquela peça. "Ao lado da livraria que tem aqui em frente", respondeu a outra envaidecida. Não podia esquecer de passar na loja quando voltasse do curso. Anotou no celular! O vestido era perfeito para sua irmã. Era bom porque passava também na livraria. Havia feito uma lista com indicações de seus alunos.

No restaurante do hotel, comprou sua Coca Zero, beliscou um pedaço do bolo de cenoura e saiu torcendo para encontrar um táxi fácil. Olhou dos dois lados e, como sempre, nenhum à vista. Era melhor atravessar e pegar na rua de baixo. Odiava esperar. Atravessou. Conferiu o horário de funcionamento da loja e percebeu que não dava para sair do curso e chegar a tempo. Ela compra o vestido amanhã pela manhã. Aproveita e toma seu último desjejum em Floripa naquele Café com ar britânico. Sentia que tinha algo interessante do outro lado da rua. Sempre atrasada.

Se gostou do texto e não leu Ela era complicada demais, clica aqui e veja a história do outro lado da rua: no Café com ar britânico.

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Um comentário:

  1. Lucas,

    Gostei dos seus dois últimos textos.

    Parabéns!

    Vim aqui para "expressar mais o meu amor do que o meu ódio" pelo o que você escreve.

    ¬¬

    bj


    kriss

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