segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ela era complicada demais

Ele estava há quase três semanas hospedado nesse hotel, por conta de um curso do trabalho. Acordava cedo e descia para o Café da esquina. Como não era de lanchar pela manhã, preferia um bom expresso que o hotel não proporcionava. Além disso, sentar naquela mesa, ali na calçada, lendo The New York Times e com seu iPad sobre a mesa era quase a realização de um clichê. Ele nem se importava de não ser Nova Iorque e sim Florianópolis. Também não fazia aquilo para que os outros o percebesse. Era sua auto-realização matinal.

Só que, na verdade, o motivo era esse só pelas três primeiras manhãs desde que chegou ao hotel. No quarto dia, um dia ensolarado, enquanto lia as notícias, naquele centésimo de segundo que se lança o olhar ao nada enquanto se passa uma página do jornal, ele viu uma mulher que chamou sua atenção. Ela era alta, mas não tão alta quanto ele. Era linda. Não um estereótipo de beleza - loira e olhos azuis -, nem uma beleza comum ou exótica. Ele não conseguia encaixar seus cabelos castanhos quase negros e seus olhos claros quase verdes em nenhum tipo de beleza que já definiram.

Pelas semanas que vieram, imaginava o que aquela mulher fazia durante o dia. Enquanto ele tomava café, ela saía de um hotel em frente ao dele. Sempre bem arrumada, uma executiva. Às vezes, com uma pasta de couro bege. Sempre com um copo grande de Coca-Cola. Se fosse um copo da Starbucks seria fruto da sua imaginação. Ela era real. O olhar sempre para esquerda e depois para a direita antes de atravessar a rua; a passada de mão no cabelo enquanto descia da boca o copo; o piscar de olhos sonolento após atravessar a faixa; as camisas de seda com algumas estampas de bom gosto; o terno social contrastando; o salto alto que dava altivez; o medo e a tristeza ao passar pelos moradores de rua.

Era possível traçar um perfil completo e complexo só pelo que observava. A mulher com seus 20 poucos anos trabalhava em uma empresa, possivelmente em um cargo de diretoria, em um departamento menos formal. Talvez fosse do Marketing, ou de uma assessoria de imprensa. Era organizada, mas dispensava agendas e seu quarto deve ser uma bagunça. Em sua bolsa, sempre grande, o ingresso da estreia de Amor e Outras Drogas, mas não o crachá do prédio que trabalha e o cartão do cliente da reunião de ontem. É a filha do meio de uma família grande, classe média alta. Sofreu por ser magra demais no colégio, perdeu o baile de formatura e suas roupas eram as que a irmã mais velha dispensava quando crescia. O irmão mais novo deve ser o xodó! Tem umas 2 ou 3 grandes amigas. Seu pai morreu quando ainda era moça, sua mãe mora com seu irmão há uns 100 quilômetros. Uma vez a cada 15 dias ela os visita.

Ele estava há quase três semanas hospedado nesse hotel. Acordou cedo, foi para o mesmo Café que se acostumou a ir todos os dias e sentou à espera daquela mulher. Estava cansado de imaginar como ela seria sem características fundamentais: o tom de sua voz, o volume da risada, o seu cheiro... Do próximo dia não passaria, estava certo. Amanhã seria o dia que ele a abordaria, mas com qual argumento que não o fizesse parecer um louco, um psicopata?! Talvez fosse melhor conversar com o porteiro do prédio que ela sai todas as manhãs. Tentar descobrir aonde trabalha. Ainda assim, isso já seria loucura e psicopatia em demasia. Ele pensou exatamente isso: psicopatia. Demasia, psicopatia e tudo isso eram palavras além da normalidade.

Vinham questões que tentavam justificar essa loucura. "Afinal, quem nunca cometeu loucuras de amor?", mas ele não estava apaixonado. Encantado, talvez. Definitivamente, intrigado, curioso. Já era mais sobre ele do que sobre ela. Será que ele estava certo sobre cada detalhe, sobre pelo menos um? Sobre o filme, ele não tinha dúvidas. Era do tipo romântica, que gostou de Um Amor Para Recordar, mesmo sem ter tido ou sido um desses amores. Era do tipo que não tinha medo de tomar a iniciativa, mas evitava. Gostava de ser cortejada.

Ele era isso: enquanto tentava agir racionalmente e planejar a melhor abordagem, já se voltava a teorizar sobre a moça. Mas, em geral, com as mulheres, não era tão tímido. Um pouco devagar, por pensar rápido demais sobre tudo que a mulher que lhe interessava poderia ser. Quando pensava em casar, ter filhos... queria uma mulher fácil, que não exigisse tanto de seus pensamentos. Seria mais fácil viver o mundo real, sem pensar tanto no que ela estava pensando.

Casamento! Ele pensou em se casar com a moça das últimas manhãs, daí pensou em sua relação com a cunhada que sempre teve tudo, talvez pudesse o querer também; com o cunhado que iria passar os fins de semana em sua casa. Pensou em como lidar com algum traço de auto-estima baixa da esposa, afinal ela não teve uma infância vitoriosa. Ao contrário da moça de agora. Será que ele iria segurar a barra de ser casado com essa bem sucedida?! Mas ela era romântica, com o salário dele talvez abdicasse da carreira. Só que é justamente esse o seu charme, sua arrogância profissional. Ela fazia qualquer mulher querer ser mais que a esposa dedicada, ao mesmo tempo, que fazia as feministas desejarem um conto de fadas. Era complexa demais. Ele entendeu isso. Tomou a decisão certa: começar a tomar café no hotel.

Será que ele tava certo? Leia o que aconteceu vindo do hotel em Sempre atrasada.

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