domingo, 27 de março de 2011

O protagonismo de Gabriel

Gabriel tem 14 anos e vive uma daquelas fases que chamam de "melhor época da vida" e realmente ele acredita que seja assim. Mora em uma casa bacana, estuda em um colégio bom, tem amigos, namorada, dinheiro para sair, o carinho e confiança dos pais. Em casa, é organizado, se dá bem com toda a família e, mesmo sendo bastante mimado, é maduro e consciente. Na escola, suas notas são boas, é inteligente, e não foge do estereótipo popular. Com os amigos de 10 anos, é falastrão, interessante, fiel e companheiro. Com a namorada também é companheiro, romântico, divertido e sem muitas neuras. Não aparenta problemas maiores que a expectativa que carrega nas costas, alimentada por família e por si próprio.

Gabriel é protagonista de todos os núcleos que permeia. Os pais vivem para ele, já que o restante dos filhos são crescidos e casados. O garoto tem tudo aquilo que pode ter, mesmo que não de imediato. A namorada o ama, enquanto ele a adora. Entre os amigos, foi o primeiro a beijar, namorar e perder a virgindade. Em sala de aula, é o líder da turma. O protagonismo parece fazer parte do destino ou da personalidade do garoto, que agora vive para mantê-lo. Mais por costume do que por prepotência.

Gabriel completa 16 anos e sente que as coisas estão mudando. Do que adianta ser o protagonista de uma história insossa? Percebe que os pais são limitados, a escola pequena demais e os amigos não nutrem perspectivas. O namoro acabou e dele não restou nem amizade. Gabriel deixou para trás e foi deixado para trás. Em uma de suas viagens, conheceu pessoas novas e, pela primeira vez, a necessidade de mudar.

Aos 17, o garoto passa no vestibular que os pais queriam, mas decide trocar a faculdade por um curso fora do país. Gabriel não gostava de magoar, sentia a necessidade de agradar para ser agradado. Fugir do lugar que estava era a forma mais fácil de sair sem perder o bom mocismo e largar tudo com o aval e torcida alheia. Ele até fazia parecer que tudo era parte de um plano de vida; era justamente a fuga do plano que lhe havia sido traçado.

Com 18 anos e em um país estrangeiro, o cenário perfeito e o elenco certo de sua história apareceram. O luxo da casa dos pais fora trocado pela simplicidade de um apartamento impessoal, meio vazio e dividido com estudantes desconhecidos. Na instituição que cursava, suava para acompanhar os demais estudantes há mais tempo lá. Os amigos, também brasileiros, faziam o mesmo curso de Gabriel e formaram com ele um grupo de mesma origem. Sem uma namorada correndo atrás e ainda arranhando o idioma, o garoto podia escolher bem menos do que ser escolhido.

Até tentou, mas seu protagonismo não vingou. Aquele traço genuíno era apenas uma imagem atribuída, já que para Gabriel, agora sim, vivia a melhor época de sua vida. Estava despreocupado, levando a vida sem o medo de errar, sem tantos olhos o vigiando, sem a cara de decepção por um erro cometido e com um olhar de superação ao se sair bem em uma prova. Ele a vida toda se acostumou a vencer e o sucesso era algo esperado, que não trazia mais alegria ou reconhecimento. Nessa nova vida não, os amigos não sabiam o que esperar. Nem Gabriel sabia.

Os dois anos que vieram passaram rápido. Gabriel era apenas mais um de uma história com mais cores. Era ele quem vibrava com a conquista amorosa de um amigo, com a nota alta da colega e até com os próprios foras que levava. Foi se acostumando a não ter um holofote sobre si, acostumado a ceder o palco para outros que têm histórias a contar, sonhos a viver, créditos a receber... 

O antagonismo não o apagou, talvez tenha reacendido o brilho apagado pelo comodismo. Os desafios fortaleceram o menino que aparentava confiança e que tornar-se-ia um homem sem força perante aqueles que não estiveram sempre no script. Gabriel aprendeu a viver! A viver entre desconhecidos, em ambientes desfavoráveis, com pessoas diversas, com expectativas contrárias. Ele descobriu que às vezes é melhor que esperem dele o fracasso, para melhor apreciar o sucesso, se este vier.

Agora, aos 20 poucos, Gabriel vai ter que voltar. Largar o lugar em que se fez e voltar para onde foi deixado ser feito. Ele nem vai precisar escolher entre os amigos, o tempo já se encarregou disso. Os pais irão se surpreender com toda a vontade trazida pelo caçula. O cenário pode até estranhar à primeira vista daquele personagem, mas o novo Gabriel não precisa ser protagonista para tomar para si tudo que lhe é desejado. Ele se fez forte e sustentado em sua própria base, cheia de medo e vontade.

Teorizar sobre seu futuro seria acomodar-se numa imagem construída, seja a do protagonismo ou não. Esperar algo certo da vida de Gabriel é um erro. Ele não tem traçado planos além do de ser ele mesmo. Livre do que queriam que ele voltasse a ser, do que imaginam que ele é e do que torcem para que ele se torne. Gabriel é protagonista, mas só ele precisa saber disso.

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