sábado, 6 de agosto de 2011

Conheçam Fernanda.

Conheçam Fernanda, se conseguirem.


Em família, ela sempre foi mais calada. Com os pais, se relacionava mais. Era muito madura para pouca idade. Talvez por isso tenha crescido com adultices bem mais que com criancices. Entre os primos, era um patinho feio. Destoava daquele ambiente, não curtia as mesmas coisas, não frequentava as mesmas baladas, não tinha amigos em comum. Quando pequena, ao invés de correr pelos parques, desenhava. Na escola, ao invés de se meter em brigas por namorado, criou um grêmio estudantil. Nas festas, dançava sozinha e rejeitava os parceiros. No Natal, dormia antes da meia-noite e não via porque esperar o horário para abrir os presentes. Com o irmão mais velho, o dobro de sua idade, falava sobre política. Com o recém-nascido, era uma segunda mãe. Em todas as reuniões de família, ficava a parte. Achava o papo chato e repetitivo.

Na escola, foi amada e odiada. Os que não curtiam Fernanda, a rotulavam: nerd, roqueira, lésbica. Os que gostavam tinham muito a falar: inteligente, divertida, desencanada. Fernanda tirava boas notas, mas não era de estudar em casa. Ela curtia sair, beber, dançar, mas não nas festas promovidas pelos "populares" da escola. Ela tinha uns quatro amigos dali, uns dois da vida. Com eles, era falante, compartilhava os namoricos, as irritações, falava sobre tudo. Menos sobre sua família. Assunto chato. Ela não curte assuntos chatos. É alto astral, falante e odeia pessimismo e reclamações.

Começou a trabalhar cedo. Não precisava, mas o prazer de ter o próprio dinheiro era necessário. Sempre se destacou. Extremamente centrada, competitiva, não mostrava muito de si, mas era excelente ouvinte. Fez amigos, ou colegas, como ela acredita. Tinha resultados, era simpática, não era fofoqueira, nem intrometida e intransigente, era crítica, não autoritária. Cresceu rápido: entrou como estagiária e já no primeiro semestre da faculdade, foi contratada.

Fernanda não era mulherzinha, como ela dizia. Não era doce, submissa e nem sonhava com o príncipe no cavalo branco. Apesar disso, ela encontrou um cara bacana. Ainda pelos 15 anos, o conheceu. Ele era dois anos mais velhos. Ficaram, conversaram, se afastaram... Não rolou o namoro. Nem deu tempo de apresentá-lo aos amigos. Uns dois anos mais tarde, se reencontraram. Ele tinha acabado de entrar na faculdade, ela no estágio. Combinaram de sair, mas não deu certo. Fernanda não era muito acessível, não curtia Internet e telefone era apenas para o essencial. Preferia sair para tomar um sorvete ou uma vodca do que ficar horas pendurada em ligações. Talvez, por isso, ela tenha tão poucas amigas. Foi em uma festa da faculdade, no segunda semestre de Fernanda, que ela reencontrou o cara mais uma vez. Eles ficaram. Saíram no dia seguinte. No final de semana. Começaram a namorar. Ela não era doce, mas era carinhosa e gostava de mimos. Não era submissa, acreditava que uma boa relação se dá sem hierarquia. Não sonhava aquele sonho rosa, desenhado e passado por gerações entre meninas. Ela vivia uma boa vida, com todas as dificuldades e alegrias.

Fernanda vai ter filhos. Com eles, não será calada, falante, sonhadora ou politizada. Será mãe. Ela foi filha, foi prima, irmã, sobrinha, aluna, colega, estagiária, funcionária, amiga, namorada, esposa. E ela foi cada uma dessas. Existem pessoas que por onde passam, deixam sua marca. A mesma marca! Pai, mãe, primo, amigos e namoradas podem descrever com perfeição e semelhança quem é essa pessoa. Fernanda é um tipo diferente. Não raro, não melhor, nem pior que os demais. Ela não tem transtorno de personalidade, não usa máscara, não é falsa. Não é camaleônica, como já falaram. Ela é ela mesmo exercendo cada função social que lhe vem. É dela não agir igual em situações diferentes, com pessoas diferentes, com sentimentos diferentes.

Têm primos que estranham quando conversam com o marido de Fernanda. Ele não entende como ela era com seus familiares. Seus pais veem as fotos das férias de Fernanda, das festas que ela ia com os amigos e não reconhecem a filha. Todos perdem muito tempo tentando entendê-la. Acham que nunca conheceram a verdadeira Fernanda. Oras, claro que conheceram. Fernanda não mentiu, não fingiu. E sempre esteve ao lado dos que amava. Amava sua família, apesar de tanta incompatibilidade. Amou a escola, aonde conheceu seus melhores amigos. Fernanda não cabe em rótulos, em frases clichês.

É que ninguém conhece todas pessoas que o outro é. Nós, talvez, não conheçamos os muitos que nos habitam, os muitos que somos. O jogo é esse.

O último texto publicado foi: Crônicas de Coletivo #3: Batendo punheta.


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