domingo, 19 de junho de 2011

A mulher perfeita

Seis e vinte e cinco da manhã. Acordei cinco minutos antes do despertador tocar. Isso sempre acontece quando bebo demais. Acho que é a forma de Deus me castigar pelas latinhas extras da noite anterior. Ontem saí com uma grande amiga minha, a Bela. Depois que todos foram embora, ficamos nós dois lá no bar, discutindo se vale a pena esperar as pessoas perfeitas. Eu sou muito exigente! Mais até que minha beleza permite ser. A Bela falou que isso não existe, que quando a gente se apaixona mesmo, os defeitos vão embora. Sei não, eu desenvolvi tão bem a habilidade de enxergar os defeitos alheios que acho difícil me cegar. Uma pena, porque fico nessa: procurando a mulher perfeita.

Seis e meia. O celular começa a tocar aquela música chata. Seis e trinta e cinco, minha mãe entra. Dona Penha: "Filho, tá na hora. Você vai se atrasar! Vem tomar café". Minha mãe é a mulher perfeita! Acorda cedo só pra fazer meu café, preparar minhas torradas e aproveitar esses dez minutos pra bater papo. Eu chego tarde em casa. Geralmente, ela já tá no sono da novela.

Tomei meu banho, tomei um café especial com minha mãe, conversamos sobre a Tia Joana, a vizinha nova que minha mãe disse ter perguntado por mim. Ela sempre faz isso! Tenho vinte e poucos, mas para minha mãe já passou da hora de ter netos: eu já estou com quase trinta. Falamos da novela também, que eu assisto uma vez por semana e sei de tudo que acontece. O Léo casou com a Marina, não é?! Só que minha mãe já adiantou que a Marina vai voltar com o Pedro.

Sete e quinze e já estou no ponto de ônibus. Depois de um tempo, as pessoas não são mais tão aleatórias. Eu posso não saber nada delas, mas já atribuí um nome à boa parte daqueles trabalhadores, estudantes e gente correndo atrás de emprego que embarcam ali. Sete e vinte. O ônibus chega, dessa vez sem atrasos. Sete e quarenta. Já desci do baú e peguei o metrô. Vou em pé, me segurando. Tentando me concentrar, afinal, bebi demais ontem. O estômago tá meio baqueado. 

Têm duas mulheres lindas na minha frente. Uma loira lendo a Exame. Mulheres usando terninho, bancando a executiva, me excitam! Afinal, a mulher perfeita tem que ser inteligente. A outra é uma morena, lendo um desses livros espíritas da Zíbia. Parece tá com sono, ao mesmo tempo tá tão concentrada. A Bela brinca que esses livros são mais romances que espíritas mesmo. Eu não sei, mas, ao contrário da loira, a morena deve ser mais sensível, mais delicada... Mulheres de antigamente! Essas sim eram perfeitas!

Não sei se falei, mas trabalho em uma produtora de vídeos. No administrativo. Sou bom de contas, devia ter feito contabilidade, mas me viro bem aonde estou. Trabalho com o Jorge. Ele é casado e reclama tanto da vida que acho que até me incentiva a procurar esse ser ideal que não acho. O casamento dele deve ser insuportável ou ele finge muito bem. Aqui na produtora só tem uma mulher, a Dona Silvana. Eu não conto isso pra ninguém, até tento esconder, mas o café da Dona Silvana é o melhor do mundo. Até melhor que o da Dona Penha. E eu sou apaixonado por café! 

Meio dia. Saí com o Jorge da produtora, mas dessa vez a gente não vai almoçar na padaria. Eu tenho um encontro. Com a Luciana, minha ex namorada. A gente ficou junto uns dez meses. Foram os piores meses da minha vida. O sexo era perfeito e só. Não que seja só, mas é que a gente não se encaixava no resto. Ela era ciumenta demais, implicante demais, preconceituosa demais e tantos outros defeitos... A Bela fala que eu nunca gostei da Lu de verdade. Aquela ladainha do amor tampar os defeitos. Depois que a gente terminou, há uns 3 meses, já saímos umas cinco vezes juntos. No começo pensei que ia ser só pra aproveitar o melhor que a gente tinha no relacionamento, mas não. A gente deu muito certo como ex namorados. Almoçamos, vamos ao cinema e transamos. Meio dia e dezenove. Pela primeira vez, a Lu não se atrasou. Odeio atrasos. A gente almoçou, comentamos sobre o Sérgio, um amigo nosso, e fomos para um hotel que tem no centro, perto do restaurante. 

Uma e quarenta. A Lu sai do banho, deita ao meu lado e fala: "Uma pena que a gente não deu certo namorando". Eu menti, concordei e mudei de assunto. Depois tomei um banho e não é que eu seja um cafajeste, mas realmente a gente não dá certo em todo o resto. A cama é perfeita, só.

Duas horas. Já a postos na minha mesa e o Jorge ainda não voltou. Estranho! Ele costuma chegar mais cedo, pra ir embora mais cedo. Três e horas e nada. Quatro e doze, o telefone toca. A mulher do Jorge estava no hospital. Ela passou mal, foi levada as pressas. "Não é nada grave", falou o Jorge. Eu não entendi como ele estava tão calmo. Ela está grávida do terceiro filho. Eu quero ser pai, mas só de um. Acho que quando se tem mais de um filho, as coisas ficam divididas, mais complicadas. A Lu quer quatro. Ela nasceu pra ser mãe. É professora num jardim de infância e ama o que faz! A Bela, minha amiga, diz que enquanto não for cem por cento segura, financeiramente e psicologicamente, não terá filhos. Ela nem sabe se esse dia vai chegar e não se importa.

Sete horas. Eu saí do trabalho, peguei um trânsito e estou nesse barzinho aqui perto de casa. O Sérgio vem apresentar a nova namorada. Ele falou tão bem dela que estou até com medo. Esse meu amigo, quase irmão, cumpre bem a regra da Bela: ele se apaixona e idolatra. Acho bonito, nele. Não me imagino naquela situação.  É um pouco de falta de ponderação. Ele se apaixona pra sempre por uma mulher e um mês depois já não é mais nada daquilo. É legal o cara se entregar, mas não é o meu estilo. Sete e vinte e cinco. Estou no terceiro chopp, o Sérgio chega com uma mulher linda. Sério, é a mulher mais bonita que eu já vi na vida. Acho que nem compensa descrevê-la, tudo vai ficar aquém da realidade. Dessa vez, meu amigo não errou na descrição. Vamos ver o resto... Afinal, quantas mulheres bonitas a gente deixa pra trás por causa de 'todo o resto'.

Oito e meia. Desde que chegou, a namorada do Sérgio não pára de falar. Não, não é que ela seja enjoada ou coisa do tipo. Ela tem realmente o que dizer. Claro que nós, os dois homens na mesa, também conversamos. Só que era insignificante. Ela dominava a mesa, era interessante, falava sobre tudo, sobre moda, sobre futebol, sobre política... Falava com conteúdo, nada superficial. Não estava tentando ser agradável, não queria conquistar o amigo do namorado. Estava sendo ela mesma. Isso ficava tão explícito até pra mim que não a conhecia. Nove horas e ela continuava, dava um show pra uma platéia encantada, hipnotizada. Nove e quinze. Comecei a me preocupar, a preocupar comigo mesmo. Do jeito que eu estava bobo, será que o Sérgio percebeu? Tomara que não. Era melhor eu sair dali antes que ela me pegasse de vez. Eu estava há um passo de me apaixonar. Qual seria a teoria da Bela? O que acontece quando você já não vê os defeitos antes mesmo de se apaixonar? Será que eles aparecem depois?

Nove e trinta e três. Entrei em casa e minha mãe já estava cochilando em frente a tv. Me deu boa noite e falou que tinha visita no quarto. Era a Bela. Entrei no quarto e ela estava lá, deitada na minha cama usando meu notebook: "Você demorou, soldado". Eu não lembrava de ter marcado nada, não tinha. Ela tinha ido ali só pra conversar e me dar os parabéns. Não falei, né?! Hoje é meu aniversário. Não gosto muito de festas, prefiro ter um dia igual foi o de hoje: comemorativo, com sexo, amigos, cerveja, mas sem badalação. Não gosto de holofotes, de ser o centro das atenções. A Bela quis saber tudo sobre o meu dia. Contei cada detalhe! Ela não perguntou, nem recriminou a relação com a Lu, não julgou o encantamento pela namorada do Serginho. Na verdade, nem sabia porque ela tinha perguntado sobre meu dia. Ela ouvia, dava risada, mas parecia não prestar atenção, não ligar. A Bela tem disso, parece distante, parece não se importar, parece desdém, arrogância... Não é nada disso.

Ela queria sair pra beber de novo, eu estava cansado. No máximo, comeria uma pizza. Ela topou. Dez e pouco, a pizza chegou. Busquei a pizza, passei na cozinha, peguei copos e guardanapos. Quando eu entrei no quarto, a Bela tava de costas pra porta, prendendo o cabelo com uma caneta. Ela já deve ter feito isso tantas vezes, mas nunca pareceu tão bonito. Ela virou, abriu um sorriso enorme e comemos a pizza, sentados ali no tapete. Tinha algo errado. Primeiro no barzinho, agora com a Bela. Eu estava propício a hipnotização. Só que agora eu só conseguia pensar nos defeitos da Bela: ela era autoritária, preguiçosa, com esse ar de desdém, só comia besteira, adorava cerveja, odiava café, não era alta, não tinha peitão, não era sexy, não notava o quão bonito era o seu rosto. Ela não terminou a faculdade, decidiu trabalhar, juntar um dinheiro e sonhava em ir morar no interior. Ela sempre atrasava, não era muito vaidosa, falava alto, não andava de salto... Mas se tem uma coisa que eu não posso nunca reclamar é da amizade dela. A gente se conhece há tanto tempo e, claro, já brigamos tantas vezes. Só que ela nunca se afastou, nunca me recriminou, até suas críticas são suaves. Pontuais, mas suaves, com amor. A Bela parecia não enxergar meus defeitos nunca. Parecia não ver o quanto eu sou chato, implicante, preconceituoso, machista, teimoso... Ela era cega aos meus defeitos!

A Bela estava falando e eu parecia não ouvir. Fui impulsivo, não pensei no que estava fazendo. Eu podia estragar tudo, podia ter quebrado o que a gente tinha há tanto tempo. Eu estava arriscando. Fui impulsivo, não me segurei e a beijei. 

Queria saber que horas eram. Sei que pareceu ter ficado um silêncio constrangedor durante alguns minutos, talvez horas ou poucos segundos. Depois do beijo, que me afastei, veio o silêncio e ela voltou. Retribuiu o beijo e aí tudo fez sentido. A mulher perfeita existe. O que não existe é a perfeição, são as características perfeitas que não existem. A Bela sempre foi perfeita pra mim. Primeiro amiga, agora mulher. Ela pode não preencher toda a lista daquilo que uma mulher perfeita deve ter. Ela pode não acordar antes de mim, não fazer café, ler a Exame, não gostar de livros românticos, não querer ter filhos, não ter o sexo mais quente do mundo, se atrasar sempre ou tantas coisas que eu odeio. Só que eu sempre amei aquele sorriso! Ele que sempre me deu calma, segurança, apoio... E, afinal, que mulher seria mais perfeita do que aquela que sempre me faz bem?! Do que aquela que sempre teve o sorisso mais perfeito.


Meus20poucos.


Um comentário:

  1. Nossa.. como vc estava inspirado!
    Gostei muito. Adoro histórias românticas.

    Beijos,
    Ana

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