domingo, 24 de abril de 2016

Alô, pai!

Alô! Oi, pai! Tá me ouvindo?

Tem quase 14 meses que não te ligo. E acho que nesse tempo todo, talvez, seja a coisa mais difícil em ter que lidar com sua morte. Isso e sempre ter que me controlar ao falar com minha mãe pelo telefone e não poder perguntar: "falou com meu pai?".

Todo dia de manhã, saindo de casa, vem aquela vontade de te ligar. Mesmo que nossas ligações raramente durassem ao menos 1 minuto. Parte pela sua surdez, parte pela nossa sisudez. Surdez essa que quando eu cheguei ao hospital parecia ter saído dos seus 50% e tomado 100%. Não sabia se não me escutava ou se não me reconhecia. Soube que me reconhecia nas suas últimas palavras direcionadas a mim, uma das últimas ditas: "fica ali, meu filho, jázim vamos embora". Nos dias seguintes, minha mãe tinha certeza que mesmo sem falar mais nada você sabia que eu e ela estávamos ali. E acho que sabia mesmo.

Não dá pra te ligar, mesmo que ainda não tenha apagado seu número do celular. Não dá. Dizem que nosso subconsciente demora para se dar conta da morte. Talvez por isso eu ainda tenha esses impulsos. Ou talvez seja saudade.

Alô, pai! Ainda tá aí? Tá me ouvindo?

Queria te ligar para contar da minha mãe, ouvir você se preocupar, culpar o cigarro, se desesperar. Ouvir você falar que ficar velho é horrível. Mas depois ouvir você ligando feliz, falando que comprou uma melancia, um peixe, um celular novo... Qualquer uma dessas coisas que sempre eram uma espécie de pretexto para nos reunirmos. Queria te ligar para ouvir você perguntar como a Dede está, falar que ainda não se conforma com o que aconteceu com meu sobrinho. Queria te ligar pra falar mal da minha prima doida e ler pra você as asneiras que ela escreve. Te ligar pra contar o que aconteceu com meu carro, ouvir você se indignar. Contar do carro novo, ouvir conselhos de mecânicos: "cuidado, nenhum presta!". Queria te ligar pra você perguntar se eu tenho falado com o Lu, se tenho notícias da Tia Helenice... Ah, queria muito ouvir sua opinião sobre essa política toda! Será que hoje você já seria um ex-petista ou teria sido repatriado?! Queria te contar da minha última viagem, te falar da próxima. Te responder se preciso de alguma coisa, se tá tudo bem. Queria só aqueles 30 segundos pela manhã, pra saber se tá tudo bem, pra te contar as coisas.

Vou guardando.

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