Entrei no ônibus e já dei um jeito de ir até o fundo do veículo. Odeio ter que passar por tanta gente na hora de descer. Avistei uma menina bonitinha e resolvi ficar em pé ali, ao lado dela. Ela estava sentada com uma amiga, nem muito feia, nem bonita, mas chamaremos de feinha. Era ela quem conversava e mantinha o papo, a bonitinha só concordava e não deixava a outra conversando sozinha.
A primeira frase que captei foi:
- Eu já falei pra minha mãe que quero um carro. Andar de ônibus cansa!
Ela tinha uns 18 anos e já estava cansada. Eu não posso recriminá-la. Desde que ganhei um carro e, então, ele foi roubado, só penso em largar de vez essa vida de coletivo. Só que a senhora que estava ao lado, de certo, está bem mais cansada que a gente.
A feinha continuou e mudou de assunto, falando agora sobre sua irmã:
- Ela sempre teve tudo. Tem carro, tem roupa, tudo... É a Paty completa! E não é que ela seja isolada, ela é na dela. Mas ano passado, desde que entrou na faculdade, piorou. É que todo mundo fica enchendo o saco dela, por ser Paty. Ontem ela chegou chorando em casa, pra você ter idéia do quanto ela é zuada.
Bullying universitário, meus queridos!
Mesmo defendendo a irmã, as risadinhas deixavam escapar um Q de inveja. Suspeito eu que elas sejam filhas de pais diferentes, ou mãe, não sei. Acho que pai. Por falar em pais...
O motorista é fechado, tenta uma ultrapassagem, não sei, mas de repente joga o veículo para o acostamento. Conseguíamos ver a tragédia e o ônibus capotando. Somos sobreviventes! Os gritos agora começavam a dar espaço para o choro de umas poucas senhoras e a braveza de um pai de família.
- Você é doido! Tá maluco? Você é louco. Seu doido. Você é doido. Pára esse ônibus. Pára!
O motorista não parava. Algumas senhoras tentavam controlar o passageiro assustado. A bonitinha, como eu, não mostrava tensão. A feinha tremia e começava a chorar, pelo susto.
O motorista parou o ônibus. O passageiro descontrolado desceu, terminando o discurso:
- Você é louco. Eu sou pai e tenho 3 crianças para criar.
Ele desce. Todos comentam. Algumas enxugam as lágrimas, agradecendo a Deus. A bonitinha acalma sua amiga, que dizia ter pressentido:
- Eu disse que não queria sair hoje, mas não podia perder a aula. Eu sabia!
Sobrevivemos todos. Saí dali, como a bonitinha, calmo. Saímos todos dali como a feinha: cansados de andar de ônibus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário